Desafios e soluções para enfrentar a crise climática e a perda de biodiversidade na Amazônia

Reabilitar a floresta amazônica é essencial para mitigar as mudanças climáticas e reverter a perda de biodiversidade. Os conhecimentos indígenas são fundamentais.

July 10, 2023

Terra Indígena Karipuna, Rondôndia, Brasil. (Alexandre Cruz-Noronha / Amazônia Real / CC BY-NC-SA 2.0)


Este artigo foi publicado originalmente em inglês no NACLA Report, nossa revista impressa trimestral.


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A floresta Amazônica é o coração biológico do planeta Terra. A variedade de mamíferos, anfíbios e répteis é contada em centenas de espécies, cada grupo chegando a quase 1000 espécies já descritas. Peixes e pássaros são ainda mais diversos, variando entre 2000 e 3000 espécies. As plantas vasculares são estimadas em 50 mil espécies. A diversidade de insetos e fungos é estimada em milhões, mas a maioria ainda não foi descrita. A diversidade biológica na Amazônia é resultado de forças geológicas e biológicas que atuaram na região sobretudo nos últimos 30 milhões de anos, devido ao soerguimento da Cordilheira dos Andes, criando uma variedade de solos, condições climáticas e hidrológicas.

Além de ser destaque global em diversidade biológica, a diversidade cultural é notável na Amazônia. A região, que abrange Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, abriga cerca de 44 milhões de habitantes, sendo de 2,2 milhões de origem Indígena, falando cerca de 300 diferentes línguas. O antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro descreveu em seus artigos que os Povos Indígenas da Amazônia conheceram toda a biodiversidade da região, sabendo para o que servia e não servia cada espécie, um conhecimento que foi acumulado em mais de 10.000 anos de experiência com a floresta.

Os Povos Indígenas que vivem na Amazônia são altamente dependentes dos recursos biológicos providos pelas florestas e rios. Frutos, sementes, bambus e peixes são exemplos de recursos biológicos manejados pelos povos originários, os quais são usados para obter gordura, carboidrato e proteína, de origem vegetal e animal, além de material para produção de arco, flecha, canoas, moradia, entre outros. Estes suprimentos de vida são essenciais para a sobrevivência Indígena até os dias atuais. É pela importância natural dos recursos biológicos para seus meios de vida que os povos originários consideram que tudo na floresta é sagrado.

O problema é que a diversidade biológica e cultural da Amazônia vem sofrendo um declínio sem precedentes. Povos Indígenas das etnias Baniwa, Munduruku, Suruí e Kichwa relataram em 2023 como as atividades ilegais e mudanças climáticas estão afetando seus lugares sagrados e modos de vida. De forma semelhante, extrativistas de produtos florestais não madeireiros relataram há décadas que o desmatamento reduziu as populações de árvores como andiroba (Carapa spp.), copaíba (Copaifera spp.) e jatobá (Hymenaea spp.). Estudos científicos confirmam os relatos de Indígenas e comunidades locais, indicando que a Amazônia está próxima de ultrapassar os limites que sustentam sua estabilidade climática, ambiental e de bem-estar humano.

Neste contexto, o entendimento sobre como as ilegalidades ambientais e mudanças climáticas prejudicam os meios de vida das populações amazônicas e da humanidade de forma geral é requerido para projetar um modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. Este novo modelo é desafiador, porque precisa manter a floresta em pé e os rios fluindo e gerar prosperidade para os Povos Indígenas e comunidades locais. Nas seções a seguir mostramos como os desafios ambientais da Amazônia estão conectados a um histórico de exploração dos recursos naturais insustentável e associado a atividades ilícitas. Concluímos o artigo mostrando alguns caminhos para reverter a crise climática e a perda de biodiversidade, os quais são reconhecidos por cientistas e populações locais da Amazônia, para promover mudanças significativas e permanentes na região.

Desmatamento: perda de biodiversidade e mudanças climáticas

O desmatamento é a principal causa de perda de biodiversidade na Amazônia. Por muitas décadas, a floresta Amazônica tem a maior taxa de desmatamento entre as regiões tropicais do planeta. O desmatamento anual médio de 2001 a 2018 em toda a floresta foi de aproximadamente 17.000 km. A Amazônia brasileira concentra a maior parte do desmatamento, com uma taxa anual média e desvio padrão de 13.832 ± 6.480 km2 no período entre 1988 e 2021. Atualmente, mais de 800 mil km2 da floresta Amazônica já foram desmatados no Brasil.

Estudos do Instituto Centro Vida apontaram uma proporção de desmatamento ilegal variando entre 65 por cento e 99,7 por cento nos diferentes estados da Amazônia brasileira. Isso significa que a maior parte do desmatamento acontece sem o consentimento e a autorização dos órgãos ambientais responsáveis. A expansão agrícola é o grande impulsionador do desmatamento na Amazônia, sendo a pecuária extensiva a principal atividade econômica nas áreas desmatadas.

Porém, a pecuária na Amazônia é quase sempre caracterizada por ser de muito baixa produtividade e alto impacto ambiental. Como efeito, o desenvolvimento baseado no desmatamento não tem resultado até agora em geração de riqueza ou melhor qualidade de vida para os que vivem na Amazônia. Por exemplo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimou que 44 por cento das pessoas no estado do Amazonas vivem na pobreza. As desigualdades na Amazônia brasileira são confirmadas em vários índices associados ao desenvolvimento econômico e social, como Produto Interno Bruto, Índice de Desenvolvimento Humano, Índice de Progresso Social e Índice de Vulnerabilidade Social que colocam a região com valores abaixo das médias de outras regiões brasileiras.

Segundo relatos de Indígenas e comunidades locais, o desmatamento é uma ameaça às atividades de extrativismo sustentável como a coleta de sementes de castanheira (Bertholletia excelsa) e de colmo de bambu (Bambusa spp. e Guadua spp.). Ainda que o marco legal proíba desmatar castanheiras no Brasil, foi comprovado que as atividades na cadeia produtiva da castanha-do-Brasil foram reduzidas nos municípios mais desmatados da Amazônia. Além disso, muitas áreas de floresta onde o bambu ocorre naturalmente hoje estão dentro de fazendas de gado. Isto mostra como o desmatamento para formação de pastagem tem reduzido o extrativismo sustentável praticado há séculos pelas comunidades locais e há milhares de anos pelos Povos Indígenas.

Gado perto de uma área protegida no estado de Rondônia na Amazônia brasileira. (Alexandre Cruz Noronha / Amazônia Real / CC BY-NC-SA 2.0)

O desmatamento também causa mudanças climáticas regionais ao reduzir a biomassa florestal e alterar a interação entre biosfera e atmosfera. Assim, o desmatamento altera o balanço de energia e água na superfície terrestre: a maior parte do saldo de energia radiativa absorvida pela vegetação e utilizada no processo de evapotranspiração (calor latente) é reduzida e a energia relacionada ao aquecimento da camada limite planetária (calor sensível) é aumentada quando a floresta é substituída por vegetação não-florestal como pastagem ou plantio de soja. Por isso, há indicações de que a substituição completa de floresta para pastagem ou plantio de soja pode aumentar a média da temperatura regional entre 3º e 4°C e reduzir o volume de chuva anual entre 9 por cento e 25 por cento.

Cientistas mostraram que a temperatura na bacia amazônica aumentou mais do que 1°C desde a década de 1970 e a estação seca no sul e leste da floresta aumentou entre 4 e 5 semanas. O aumento de temperatura e da estação seca é ainda maior em áreas que foram mais desmatadas. Adicionalmente, o aumento da frequência de secas extremas como as ocorridas em 2005, 2010, 2015-16 e 2020, tem sido associado a considerável crescimento das áreas degradadas. Por isso, mudanças climáticas causadas por atividades humanas já fazem parte da história recente da Amazônia.

A Amazônia desempenha um papel fundamental na reciclagem da água e na produção de fluxos de umidade, que favorecem o transporte de nuvens e chuvas para regiões distantes da floresta fora da Bacia Amazônica. Como foi mostrado nos estudos do professor Eneas Salati na década de 1970, a floresta recicla a umidade da chuva de 5 a 8 vezes antes de sair da região, o que é um serviço ecossistêmico importante que pode ser comprometido com o desmatamento. O fenômeno de formação de fluxos de umidade produzidos pela floresta e levados para outras regiões é conhecido como rios voadores. Além de afetar as comunidades locais, o desmatamento na Amazônia pode prejudicar o abastecimento hídrico em diversas partes da América do Sul.

Grilagem: desmatamento para não uso da terra

Grilagem de terra é a apropriação ilegal ou irregular de terras públicas por agentes privados. Quem pratica a grilagem de terra é chamado popularmente de grileiro. Os grileiros desmatam a floresta para sinalizar a ocupação e reivindicar direitos à terra. Onde a grilagem de terra é frequente, a prática de falsificação de documento é comum e mais do que 90 por cento das reivindicações de terra. A grilagem de terra geralmente envolve agentes públicos que cometem crimes administrativos como fraude e corrupção. A perda de território causada pela grilagem de terra reduz o acesso aos recursos biológicos e promove atos violentos dos invasores contra os verdadeiros guardiões da terra: Povos Indígenas e comunidades locais.

Já foi mostrado que existe uma correlação entre desmatamento e incêndios florestais na Amazônia, cuja participação de grileiros é crucial. O fogo é usado pelos grileiros para degradar ainda mais a floresta após o desmatamento ilegal. Os grileiros têm demonstrado cada vez mais organização na prática de atividades ilegais, o que foi comprovado pelo evento amplamente conhecido como o "Dia do Fogo". Em agosto de 2019, a Folha do Progresso, jornal popular localizado no município de Novo Progresso, Pará, publicou um anúncio convocando interessados a queimarem grandes áreas florestais. Como resultado, os focos de incêndio aumentaram em mais de 700 por cento no referido dia. O uso de fogo por grileiros já é tão numeroso quanto os incêndios florestais ativos em anos de secas extremas na Amazônia.

Fogo na Amazônia: mudanças abruptas na floresta e crime organizado

A autorização do órgão ambiental é uma medida essencial e obrigatória para usar fogo na Amazônia de modo a evitar queimada descontrolada e crime ambiental. O fogo na Amazônia está relacionado com desmatamento para grilagem de terra, ao corte seletivo de madeira que torna a floresta mais seca e propensa a entrada do fogo, ao manejo ineficiente de pastagem com uso do fogo para limpeza de pasto, e ao enfraquecimento da governança ambiental que limita ações de fiscalização e combate ao fogo na Amazônia. A ocorrência de fogo na Amazônia, portanto, está relacionada principalmente com atividades humanas insustentáveis e ilícitas.

Os incêndios florestais são crescentes, queimando mais de 120.000 km2 de floresta no período entre 2001 e 2018, sendo mais frequentes durante os meses de agosto, setembro e outubro. Este é o período de inverno-primavera no Brasil, quando as chuvas são menores principalmente na região sul e leste da floresta. A redução da chuva é um fenômeno natural causado pela variação sazonal da radiação solar que chega na região e resultante da migração da zona de convergência para o norte da América do Sul, induzindo ar descendente sobre estas porções da Amazônia. Com o solo e a atmosfera mais secos durante os meses de agosto, setembro e outubro, a floresta torna-se mais suscetível ao fogo causado pelas atividades humanas.

Incêndios florestais no território do povo Kayapó em Novo Progresso, Pará, na Amazônia brasileira, setembro de 2022. (Cícero Pedrosa Neto / Amazônia Real / CC BY-NC-ND 2.0)

O fogo causa degradação florestal: a estrutura física é modificada de forma severa após um segundo incêndio. Isso significa reduções no número de espécies e na quantidade de biomassa por longo prazo onde o fogo é frequente. O fogo queima raízes, troncos, galhos e folhas da vegetação, além de sementes e frutos que poderiam ser regenerados e consumidos. Além disso, os incêndios florestais emitem monóxido e particulados para a atmosfera terrestre, causando graves problemas para a saúde humana. Por isso, cientistas alertaram em 2016 que a combinação entre fogo, desmatamento, degradação e mudanças climáticas está levando a floresta a um ponto de não-retorno, onde sua estrutura física será irreversivelmente danificada.

Garimpo de ouro: degradação ambiental e social em Terras Indígenas e Unidades de Conservação

Terras Indígenas e Unidades de Conservação estão sendo invadidas por garimpeiros que atuam de forma ilegal na Amazônia. A Terra Indígena Yanomami e a Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu são exemplos de como os Povos Indígenas e comunidades locais estão sendo pressionados pelo garimpo ilegal de ouro na Amazônia. Os Indígenas reconhecem que a contaminação da floresta pela química do garimpo tornou-se uma grave ameaça. Por isso, os peixes e a caça foram reduzidos e as pessoas ficaram doentes e desnutridas.

O aumento do garimpo ilegal de ouro foi impulsionado no Brasil entre 2019 e 2022. Os motivos estão relacionados ao enfraquecimento da governança ambiental e ao desmonte das políticas públicas de apoio aos Povos Indígenas e comunidades locais. Por exemplo, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) recebeu R$ 220 milhões para fiscalização ambiental em 2021, mas executou somente R$ 90 milhões para esta finalidade, como apontado pelo Observatório do Clima no relatório publicado em 2022 intitulado “A conta chegou: o terceiro ano de destruição ambiental sob Jair Bolsonaro”.

Portanto, múltiplas ações relacionadas ao garimpo ilegal desconectaram os Yanomami da floresta, por exemplo: desmatamento, incêndio, assassinato, crime sexual e poluição de água. Como efeito, os Indígenas brasileiros descreveram que viveram um período ápice de destruição física e espiritual desde 1988. A situação dos Yanomami de Roraima e Amazonas foi considerada desumana, sendo então tratada oficialmente como uma crise humanitária em janeiro de 2023.

Mudanças climáticas globais: efeitos ecossistêmicos

As mudanças climáticas estão entre os principais riscos aos ecossistemas amazônicos. As mudanças climáticas referem-se à alteração na média e variabilidade do clima por um longo período, podendo ser causadas por processos naturais ou atividades humanas. As causas humanas estão relacionadas principalmente às emissões de gases de efeito estufa (GEEs) provenientes da queima de combustíveis fósseis, como a emissões de termelétricas, veículos e indústrias e mudanças na cobertura do solo, como a substituição de floresta por pastagem. Os GEEs na atmosfera aquecem o sistema terrestre ao absorver e reemitir radiação infravermelha.

O aquecimento global e os eventos climáticos extremos, como secas, ondas de calor e enchentes, têm impacto significativo no crescimento da floresta e nas dinâmicas de plantio, colheita e frutificação. As secas, por exemplo, podem reduzir o fluxo de água e influenciar a absorção de elementos químicos do solo pela raiz para dentro da planta. Já as enchentes podem afetar a respiração das raízes, diminuindo a disponibilidade de oxigênio no solo. Além disso, o aquecimento global eleva a temperatura das águas dos rios e lagos, comprometendo a fauna aquática, já que muitos peixes não conseguem sobreviver e se reproduzir em temperaturas elevadas. E tanto as secas quanto as enchentes mudam a dinâmica de cheia e vazante de rios, interferindo nos meios de transporte e nas atividades agrícolas e florestais de populações amazônicas, tanto nas áreas rurais quanto urbanas.

Desmatamento em Careiro da Várzea, estado do Amazonas, próximo às terras indígenas do povo Mura, 2022. (Alberto César Araújo / Amazônia Real / CC BY-NC-SA 2.0)

A atuação sinérgica das mudanças climáticas globais e das mudanças no uso da terra na Amazônia é motivo de grande preocupação devido aos riscos do chamado "tipping point" (ponto de inflexão). Diversos estudos científicos, incluindo pesquisas conduzidas pela brasileira Luciana Gatti e por muitos outros pesquisadores, têm constatado o aumento da duração da estação seca na região, que está mais seca e quente do que no período anterior à década de 1980, do Oceano Atlântico até a Amazônia boliviana, criando ainda mais condições de propagação do fogo pelo chão da floresta. Esse cenário tem contribuído significativamente para a morte de uma grande parte da floresta no sul da Amazônia, tornando a região uma fonte de emissão de carbono para a atmosfera.

Caminhos para reverter a crise climática e a perda de biodiversidade

Os caminhos para reverter a crise climática e a perda de biodiversidade perpassam pela proteção, restauração e uso sustentável da Amazônia. Alguns caminhos estão sendo reconhecidos por cientistas e populações locais para esta finalidade, tais como: 1. Eliminar o desmatamento, a degradação florestal e o fogo; 2. Restaurar as terras desmatadas e degradadas; 3. Incentivar a bioeconomia de floresta em pé e rios fluindo; 4. Investir em ciência, tecnologia e inovação; 5. Incluir a juventude e as mulheres na construção e defesa de uma Amazônia saudável e justa; 6. Divulgar mais mensagem ambiental. 7. Aumentar a participação de Indígenas na política visando a sustentabilidade da Amazônia.

É possível eliminar o desmatamento na Amazônia com prosperidade social e econômica. Estimativas do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais indicaram que cerca de 20 por cento da área desmatada (± 170.000 km2) foi abandonada e a floresta secundária tem crescido rapidamente. A eliminação do desmatamento e da degradação florestal é compatível com o crescimento agrícola e agroflorestal por meio da agricultura regenerativa e restauração florestal das terras já desmatadas e degradadas.

As florestas removem dióxido de carbono da atmosfera quando estão crescendo, principalmente nos primeiros 30 anos. A remoção deste gás é importante devido seu efeito para a redução do ritmo de aquecimento da atmosfera. Por isso, há dezenas de vantagens na restauração florestal no combate a crise climática e a perda de biodiversidade, por exemplo: 1. Redução da extração de recursos naturais da floresta intacta. 2. Conservação do solo promovida pela cobertura florestal. 3. Regulação de ciclos hidrológicos. 4. Aumento do estoque de carbono na superfície terrestre. 5. Provisão de habitat para a flora e a fauna silvestre.

Os sistemas agroflorestais são métodos de restauração florestal estratégicos para a produtividade de ecossistemas. Neste caso, a terra desmatada e abandonada é restaurada com espécies nativas e exóticas simultaneamente em uma mesma unidade de manejo. As espécies de plantas nativas frequentes em sistemas agroflorestais na Amazônia são açaí (Euterpe oleracea e Euterpe precatoria), andiroba, buriti (Mauritia flexuosa), bacuri (Platonia insignis), cacau (Theobroma cacao), castanha, cumaru (Dipteryx spp.), cupuaçu (Theobroma grandiflorum) e pupunha (Bactris gasipaes). Animais tais como galinha, pato, porco e boi podem ainda ser manejados nos sistemas agroflorestais sem precisar derrubar imensas áreas de floresta.

Os custos e viabilidade econômica de sistemas agroflorestais estão sendo compreendidos por cientistas. O investimento médio necessário varia entre R$ 20.000 e R$ 40.000 por hectare. As taxas internas de retorno variam entre 10 e 111 por cento com investimento inicial retornando depois de 2 a 13 anos. A geração de renda obtida de sistemas agroflorestais pode ultrapassar R$ 7.000 ao ano com a seleção de espécies e o manejo florestal. De fato, os produtos florestais não madeireiros derivados de açaí, buriti, borracha, cacau, castanha, copaíba, cumaru, cupuaçu e murumuru geram mais do que R$ 5 bilhões ao ano somente nos municípios do Pará.

Produtos florestais não madeireiros provenientes da restauração florestal podem impulsionar uma nova economia na Amazônia, como exemplificado pelo projeto "Amazônia 4.0". Esse projeto utiliza tecnologia avançada para criar subprodutos de alto valor a partir de produtos manejados por comunidades locais, como castanha e cupuaçu. O projeto foi criado pelo cientista brasileiro Carlos Afonso Nobre, que acredita que a bioeconomia deve beneficiar os Povos Indígenas e comunidades locais. Para Nobre, o objetivo do projeto é combinar ciência, tecnologia e sustentabilidade para explorar os recursos da sociobiodiversidade da região de maneira criativa e inteligente.

A ciência e a tecnologia estão sendo apontadas como caminhos para reverter a crise climática na região amazônica. Inspirados pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) dos Estados Unidos, cientistas estão projetando o Instituto de Tecnologia da Amazônia (AmIT), que terá núcleos de pesquisa e ensino descentralizados em vários locais em toda Pan-Amazônia. O projeto inclui laboratórios flutuantes em barcos, bases de pesquisa móveis e fixas, centros educacionais e associados parques tecnológicos, e tem como principais eixos águas; florestas e sociobiodiversidade; paisagens alteradas; infraestrutura verde; e urbanismo sustentável, com forte vínculo com o conhecimento e práticas dos Povos Indígenas e comunidades locais.

O AmIT pode virar uma referência mundial no desenvolvimento de uma bioeconomia baseada na sociobiodiversidade e floresta. Neste contexto, a união entre os Povos Indígenas deve ser estimulada para que os conhecimentos Indígenas possam sustentar o conhecimento científico. A educação intercultural é considerada pelos Indígenas como uma ferramenta fundamental para suas lutas e diálogos. Os Indígenas consideram que o modelo de ensino científico e tecnológico deve focar em processos de construção da vivência Indígena: desenvolvimento de cestaria, canoa, pimenta, rede, roçado, sistema agroflorestal, turismo, artesanato, música, história, pintura corporal, plantas e animais nativos. A combinação dos conhecimentos Indígenas e científicos pode oferecer respostas concretas a problemas críticos da Amazônia.

Os jovens são peças-chave na construção de um futuro sustentável na Amazônia, especialmente os jovens e as jovens Indígenas, que têm o papel crucial de propagar o conhecimento ancestral e defender os interesses de suas comunidades. Em todo o mundo, os jovens se organizam para lutar pelo direito a um futuro saudável e livre de mudanças climáticas e do desaparecimento da floresta Amazônica. Na Amazônia, esses jovens têm a oportunidade única de proteger e restaurar a floresta e se tornarem agentes transformadores para garantir um futuro sustentável.

Os Indígenas reconhecem que é essencial aumentar sua participação na política e compreendem que a timidez na fase da juventude é um dos seus principais desafios. Representantes Indígenas das etnias Baniwa, Munduruku, Suruí e Kichwa consideram que a sociedade precisa ouvir os Indígenas sobre o que a natureza tem avisado: a natureza precisa de alegria, o desenvolvimento sustentável deve ser com diálogo, respeitando vidas e construindo um futuro melhor para todos.

O novo governo brasileiro precisa assumir a responsabilidade na proteção da Amazônia e no combate às ilegalidades ambientais. Políticas públicas que incentivem a preservação e o uso sustentável da floresta, a ampliação da fiscalização e punição dos responsáveis pelas atividades ilegais e o fortalecimento da participação dos Povos Indígenas e comunidades locais na gestão do território amazônico são algumas das ações urgentes. Além disso, é fundamental que o governo brasileiro atue em parceria com outros países amazônicos e organismos internacionais para proteger a Amazônia como um elemento crítico do clima, cultura e biodiversidade terrestre.


Diego Oliveira Brandão é membro da Secretaria Técnico-Científica do Painel Científico para a Amazônia.

Julia Arieira é membro da Secretaria Técnico-Científica do Painel Científico para a Amazônia.

Carlos Afonso Nobre é co-presidente do Painel Científico para a Amazônia e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo.

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